Desde o neolítico até ao fim do século XX os carros de bois eram usados como meio de transporte para cargas pesadas, nesta terra. O feno, as batatas, o pão e todas as colheitas vinham para as aldeias ao som característico que tornava os agricultores
Não sabemos quando começaram a ser utilizados nesta faixa de terra. Mas, desde que vimos os filmes sobre Júlio César, sabemos que os Romanos usavam carros de bois, para transportar cargas mais pesadas. Em Trás-os-Montes, lugar resistente às grandes revoluções, o tractores só no fim do passado milénio terão substituído por cavalos de tracção a força dos animais domesticados pelo homem. Durante mais de dois mil anos as colheitas tinham o ressoar de uma carga transportada com esforço. Era costume, em certas terras, apertar o eixo, pouco antes de chegar à aldeia, para fazer chiar o carro. Assim demonstrava-se a todos que era grande a colheita, bom o agricultor, enorme a carrada e a fome havia de ficar só para os “laratos” (nome dado aos preguiçosos) durante o Inverno. A fricção, de demasiado apertada, ou prolongada, podia fazer incendiar toda a carga. Era um risco que corriam, calculado com alguma temeridade. Antigamente toda a gente tinha carros. “Nós, em Varge, tínhamos dois a três carros, sempre. Um velho, outro mais velho, e um mais novo”, explica-nos João António dos Santos, nascido na aldeia de Varge, concelho de Bragança, e residente há 45 anos na aldeia vizinha de Baçal, onde casou. Com os carros apanhava-se o estrume para as terras, colhiam-se as batatas, os molhos das cearas, o feno para os animais e todos os frutos do trabalho do campo. Trazer uma grande carrada e saber carregar muito um carro, puxado por bois ou vacas, era a proa de muitos agricultores. Para os animais puxarem aos carros, lavrarem e fazerem todos serviços que hoje fazem os tractores, tinham que ser amansados. Alguns eram mais resistentes, outros metiam a cabeça no jugo com mais facilidade. Era um trabalho feito com temeridade. Os animais eram domesticados à força de muita “porrada”. Depois, ou ficavam mansos, ou eram declarados irremediavelmente bravos. Sendo esse o caso, encurtavam, normalmente, a distância de tempo que os separava da próxima feira, ou do matadouro. “Para amansar tem que ser com uma cria mansa, se não não dá. A mansa pegava na brava. Uma vez comprámos um boi que estava bravo. Metemo-lo no meio dos outros dois e foi de rastro. Batíamos-lhe, mas não se levantava, até que tivemos que o deixar. Não quis, mas muita porrada levou. Os outros eram dois bois como duas mesas”, conta-nos o lavrador. Quando eram mais bravos, os bois não poderiam ter a sorte de encontrar ninguém indefeso. “Bravo, tivemos, em Varge, um touro que já tinha sete anos, mas eu tinha 23 anos. Até era da coberta. Um dia lá estaria mal disposto e foi para se atirar a mim... Preguei-lhe com as guinchas na cabeça, só não morreu porque não calhou”. Mas a maioria dos animais eram obedientes, ou tinham que ser. “Tive aqui bois e vacas que eram muito obedientes. Fui muito bom agricultor. Uma vez carreguei uma carrada de pão, ao pé de Varge. Botei-lhe 13 fiadas. Eram 43 pousadas de pão. Cada pousada são quatro molhos”. Por vezes, para “fazer ver”, abusava-se das fiadas e a carga vinha ao chão. “Sim, pinchei muitas vezes o carro e partir o eixe também”, assume João António. Também, em Varge “os terrenos eram difíceis”. Apesar de terem dois carros e duas juntas de vacas mansas, certas alturas levavam só um carro e aparelhavam-lhe as duas juntas. Faziam “uma quadra” a puxar, para trazer “uma grande carrada”. Claro, depois “toca a partir, toca a pinchar, usava-se assim”. Hoje, “tudo mudou”. Não é que sejam tempos mais fáceis estes, são é muito diferentes. “Não sei se está melhor, se está mais mal. Mas mudou muito. Não há estrumeiras nas ruas, há melhores camas, há melhor tudo. Hoje há mais que comer e beber, mas, se tivéssemos que fazer umas malhas como naquele tempo, não estávamos preparados para receber as pessoas. A minha malha em Varge eram três dias, aqui outros três. Eram chouriços, salpicões... Agora cada um tem um quilo de vitela em casa, mais nada. Isso nem dá para fazer um mata-bicho. Agora a gente vai para o campo, senta-se ao toro de um carvalho enquanto outro sega a terra. Se leva uma cerveja leva, se não, não leva. Na segada tínhamos 10, 15 segadores, uma semana. Dávamos-lhe almoço, mata bicho, taco, jantar, merenda, ceia. Agora não se usa isso”.
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in "Mensageiro Noticias" de 6 de Junho de 2008
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